segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Derrame de percepção - Dra.Jill Bolte Taylor







"Comecei a estudar o cérebro porque eu tenho um irmão diagnosticado com uma disfunção cerebral, a esquizofrenia. E como irmã e cientista, eu queria entender como eu faço para que os meus sonhos se conectarem com a realidade e se tornarem verdade – o que é o que acontece com o cérebro de meu irmão e sua esquizofrenia que ele não consegue conectar sua imaginação com o mundo real, e então ele se torna alucinado (Ou doente).
Então eu dediquei minha carreira em pesquisas sobre doenças mentais graves. Me mudei de minha casa em Indiana para Boston onde eu trabalhava no laboratório do Dr. Francine Benes, no departamento de Psiquiatria de Harvard. E no laboratório, nós nos perguntávamos uma questão, Quais são as diferenças biológicas entre os cérebros de indivíduos diagnosticados como normais em comparação com os que são diagnosticados com esquizofrenia ou transtorno bipolar. (schizoaffective não sei o que significa)
Estávamos mapeando o microcircuito do cérebro, quais células estão se comunicando com quais células através de quais elementos químicos e em que quantidade. Então havia muito sentido nesse meu tipo de vida porque eu estava fazendo esse tipo de pesquisa durante meu trabalho. Durante a noite e nos finais de semana eu viajava pela NAMI (National Alliance on Mental Illness)
Na manhã de dia 10 de Dezembro de 1996 eu acordei e descobri que eu tinha um distúrbio no cérebro. Um vaso sanguíneo explodiu no lado esquerdo do meu cérebro. E durante 4 horas observei meu cérebro se deteriorar completamente em suas habilidades em processar qualquer informação. Na manhã da hemorragia eu não conseguia andar, falar, ler, escrever ou me lembrar da minha vida. Me tornei um recém nascido no corpo de uma mulher adulta.
Se você já viu um cérebro humano fica óbvio que os dois hemisférios são completamente separados um do outro. E eu tenho um cérebro humano real aqui [Obrigado]. Isso é um cérebro humano. Aqui é a frente do cérebro, a parte de trás com o cordão espinhal pendurado e assim é como está posicionado dentro da minha cabeça. E quando você observa o cérebro, é óbvio que os dois hemisférios são completamente separados um do outro. Para quem entende de computadores, nosso lado direito funciona como um processo paralelo. Já o nosso lado esquerdo funciona como um processador serial. Os dois hemisférios se comunicam através do corpus collosum que é constituído de 300 milhões de fibras (axonal). Mas sem contar isso, eles são completamente separados. Como eles processam informação de forma diferente, cada lado do cérebro pensa em coisas diferentes, se importam com coisas diferentes e posso dizer que têm personalidades diferentes.
Nosso hemisfério direito é todo esse momento, sobre aqui e agora. Nosso hemisfério direito pensa em imagens e aprende kinesthetically através dos movimentos do corpo. Informação em forma de energia corre simultaneamente por todo nosso sistema sensorial. E então explode nessa enorme imagem (colagem) sobre o que significa esse momento presente. Quais os cheiros desse momento, os gostos, como é sentido e como é escutado. Eu sou um ser energético (?) conectado com toda a energia a minha volta por essa consciência do agora do lado direito do meu cérebro. Nós somos seres de energia conectados uns aos outros através da consciência do hemisfério direito como uma única família humana. E nesse momento, agora mesmo, todos somos irmãos e irmãs nesse planeta e estamos aqui para fazer o mundo melhor. E esse momento é perfeito. Nós estamos unidos. E somos maravilhosos.
Já o meu lado esquerdo é um lugar bem diferente. Nosso lado esquerdo pensa de forma linear e metódica. Ele pensa sobre em todo nosso passado, e também no futuro. O hemisfério esquerdo é desenhado para pegar essa enorme imagem desse exato momento e capturar mais detalhes e mais detalhes e ainda mais detalhes sobre os detalhes. Então ele classifica e organiza todas essas informações. Associa isso com tudo que aprendeu no passado e projeta todas as possibilidades disso para o futuro.E nosso lado esquerdo pensa na linguagem. E esse fluxo constante de informação do cérebro que conecta meu mundo interno com meu mundo externo. É aquela voz dentro da gente que me diz: “Você precisa se lembrar de comprar algumas bananas quando voltar para casa e come-las pela manhã”. É essa inteligência calculista que me lembra que tenho que lavar minhas roupas. Mas o mais importante, é que essa voz me diz: “Eu sou. Eu sou.” E no momento em que meu hemisfério esquerdo me diz “Eu sou” eu me torno separado. Me torno um indivíduo separado do fluxo de energia à minha volta e me separo de você.
E essa foi a parte do meu cérebro que eu perdi na manhã do meu derrame.
Na manhã do meu derrame, acordei com uma dor pulsante no meu olho esquerdo. E era uma dor do tipo causado por aquelas mordidas em sorvete. E a dor vinha e desaparecia, vinha e desaparecia e era muito estranho para mim sentir qualquer tipo de dor e então eu pensei: OK. Vou simplesmente seguir com minha rotina normalmente. Então eu fui até meu cardio glider (aparelho ginástica) que é uma máquina que exercita todo o meu corpo. E eu estava me exercitando nele quando me dei conta de que minhas mãos pareciam com garras primitivas segurando na barra do aparelho. Pensei: “Isso é muito incomum” e então olhei para meu todo meu corpo e pensei “Nossa, eu sou um ser esquisito”. Isso foi como se minha consciência tivesse mudado da minha percepção normal da realidade onde eu sou uma pessoa em um equipamento tendo uma experiência, para algo esotérico onde eu era um espectador de mim mesmo tendo essa experiência.
Isso tudo foi muito incomum e minha dor de cabeça estava piorando, saí do equipamento de ginástica e fui andando pela minha sala e percebi que tudo dentro do meu corpo estava lento, cada passo era muito firme e deliberado. O meu passo não fluía normalmente e tinha essa contrição na área de minhas percepções e eu estava focada nos meus sistemas internos. Então estou dentro do meu banheiro começando a tomar banho e eu podia ouvir o diálogo dentro do meu corpo, eu ouviu aquela voz dizendo “Músculos, agora é hora de contrair, músculos esse é o momento de relaxar”
Perdi meu equilíbrio e me apoiei na parede. Olhei para baixo na direção do meu braço e percebi que eu não conseguia mais definir os limites do meu corpo, onde eu começava e onde eu terminava. Porque os átomos e moléculas do meu braço estavam misturados com os átomos e moléculas da parede e tudo o que eu conseguia perceber e notar era a energia. Energia. E me perguntei: “O que está acontecendo comigo?” e nesse momento toda a “conversa” (no sentido de informação) do meu cérebro, do hemisfério esquerdo do meu cérebro entrou em profundo silêncio, como alguém que pega um controle remoto e aperta o botão mudo – silêncio total.
No primeiro momento me senti chocada ao me sentir com a mente em total silêncio. Mas imediatamente me senti atraída pela magnífica energia à minha volta. E porque eu não conseguia identificar as fronteiras do meu corpo meu senti gigante e expansiva, me senti como toda a energia é e era muito bonito aquilo.
De repente o meu hemisfério esquerdo voltou e me disse: “Hey, nós temos um problema, nós temos um problema, nós precisamos buscar ajuda” e era como, OK, OK, eu tenho um problema, mas eu voltava a essa consciência que eu carinhosamente dei o nome de La La Land, e era lindo lá. Imagine estar completamente desconectado das informações no seu cérebro que te conectam com o mundo exterior. Então aqui estou nesse espaço e não existe nenhuma preocupação comigo, com o meu trabalho, tudo sumiu e eu me senti mais leve no meu corpo e imagine todos as suas relações com o mundo exterior e as várias preocupações relacionadas com elas, tudo tinha desaparecido. Senti uma sensação de paz e imagine o que seria sentir perder 37 anos de bagagem emocional! Senti euforia. Euforia é maravilhoso – e então meu hemisfério esquerdo voltou e disse: “Hey, você precisa prestar atenção, precisamos encontrar ajuda” e pensei “Vou conseguir ajuda, vou focar nisso” Saí do chuveiro, me vesti e andando pelo meu apartamento estava pensando “Eu preciso ir trabalhar, preciso ir trabalhar. Eu consigo dirigir? Eu consigo dirigir?”
Foi nesse momento que meu braço direito ficou paralisado e pensei “O meu Deus! Estou tendo um derrame! Estou tendo um derrame!” e a próxima coisa que meu cérebro me disse foi “Nossa! Isso é legal, isso é legal. Quantos neurocientistas têm a oportunidade de estudar seu próprio cérebro do lado de dentro?”
Mas veio algo em minha mente: “Sou uma mulher ocupada. Não tenho tempo para um derrame!” e era como eu me dissesse: “OK, eu não posso parar o derrame então vou fazer isso por uma semana ou duas e voltar a minha rotina”
Eu tinha que chamar ajudar, precisava ligar para o meu trabalho. Não conseguia me lembrar do número do telefone, me lembrei que em meu escritório em casa tinha um cartão com o número. Fui ao meu escritório e encontrei vários cartões juntos e eu estava olhando para o 1° cartão e embora eu conseguia ver em minha mente como meu cartão era, eu não conseguia dizzer se aquele era meu cartão ou não, porque tudo que eu conseguia ver eram pontos (pixels). E os pontos das letras se misturavam com os pontos do fundo e dos símbolos e eu não entendia. Teria que espera um momento de clareza e então eu poderia saber qual era o cartão. Demorou 45 minutos para isso acontecer.
Nesses 45 minutos a hemorragia foi crescendo no meu cérebro, eu não entendi número, não entendia o telefone, mas esse era o único plano que eu tinha. Peguei o teclado do telefone e coloquei aqui, o cartão coloquei aqui e eu estava tentando combinar as formas no cartão com as formas no telefone. Só que em breve eu voltaria para a La La Land e não me lembraria qual número eu tinha discado ou não.
Tive que usar meu braço paralisado para cobrir os números a medida que os apertava, dessa forma eu saberia qual número tinha discado ou não. Consegui em certo momento discar todos os números e estava escutando o telefone e um colega meu atendeu de me disse: “Whoo, woo, wooo woo woo” Então pensei comigo “Meu Deus, ele parece um cachorro!” Então eu pensei claramente na minha mente “Aqui é a Jill! Eu preciso de ajuda!” E o que saiu da minha voz foi “Whoo woo wooo woo woo” Pensei “Oh Meu Deus, eu que pareço um cachorro” Assim eu não podia saber se eu não conseguia falar ou entender a linguagem humana.
Então ele percebeu que eu precisava de ajuda e me ajudou. Pouco tempo depois eu estava em uma ambulância indo de um hospital para outro então eu me senti em uma pequena bola fetal e como um balão com somente um resto de ar dentro senti minha energia me abandonar e senti meu espírito se rendendo. E nesse momento eu percebi que não era mais o coreógrafo da minha vida e nem os médicos que me resgataram e me deram uma secunda chance ou esse era talvez um momento de transição.
Quando eu acordei no final da tarde fiquei chocada em descobrir que ainda estava viva. Quando senti meu espírito se rendendo, disse adeus a minha vida, e a minha mente estava agora suspensa entre dois planos opostos da realidade. Os estímulos que me chegavam me causavam dor. A luz queimava o meu cérebro como fogo e os sons eram tão altos e caóticos que eu não conseguia separar uma voz do som de fundo e só queria sair dali. Porque eu não conseguia identificar a posição do meu corpo no espaço, me sentia enorme e expansiva, como um gênio que acabou de ler libertado de sua lâmpada. E meu espírito parecia livre como uma baleia navegando pelo oceano do silêncio eufórico. Harmonioso. Me lembro de pensar que não haveria como eu espremer novamente esse meu Eu enorme dentro daquele pequeno corpo.
E percebi: “Eu ainda estou viva! Ainda estou viva e encontrei o Nirvana. Encontrei o Nirvana e ainda estou viva, então todos que estão vivos podem encontrar o Nirvana” Imaginei um mundo cheio de beleza, paz, compaixão e pessoas que sabem que eles podem ir para aquele espaço na hora que quiserem e que eles podem escolher de forma proposital sair (mudar) do lado direito do cérebro para o esquerdo e encontrar a paz. E então percebi que tremendo presente essa experiência poderia ser, que um derrame (stroke of insights) poderia ser o modo como vivemos nossas vidas e isso me motivou a me recuperar.
Duas semanas e meia após minha hemorragia, os cirurgiões removeram um coágulo do tamanho de uma bola de golf que estava pressionando o meu centro de linguagens no cérebro. Aqui sou eu com minha mamãe que é um verdareiro anjo na minha vida. Demorou 8 anos para eu me recuperar.
Então, quem somos nós? Nós somos a força de vida poderosa do universo, com habilidades manuais e duas mentes. E nós temos o poder de escolher, a cada momento, quem e como nós queremos ser no mundo. Aqui e agora, nós podemos entrar no nosso lado direito do cérebro – Eu sou – a força de vida poderosa do universo, e a força poderosa de 50 trilhões de belas moléculas que me dão forma. Como um em tudo que é. Ou eu posso escolher pular para o lado esquerdo do meu cérebro, onde eu me torno um único indivíduo, sólido, separado de todo o fluxo, separado de você. Eu sou a Drª Jill Bolte Taylor, intelectual, neuroanatomista. Esses são o “nós” dentro de mim.
O que você vai escolher? O que você vai escolher? E quando? Acredito que quanto mais tempo escolhermos entrar nos profundos e pacíficos circuitos do nosso lado direito do cérebro, mais paz nós vamos projetar para o mundo e mais pacífico nosso planeta será. E eu acho que essa idéia que deveria ser espalhada."